domingo, 14 de agosto de 2011

Historia de Cananéia - Idolo de Carvalho



Cananéia tem uma história rica e pouco divulgada e sua importância nos remete a viagens pré-cabralinas.

O conhecimento do fato histórico é inversamente proporcional ao tempo dele decorrido, isto é, quanto mais se recua no tempo, menos se sabe e mais difícil se torna sua dedução e comprovação.
Nas últimas décadas, o trabalho dos modernos historiadores luso-brasileiros trouxe à luz inúmeros detalhes de fatos históricos até então pouco conhecidos ou de análise incompleta.
Foram criadas comissões bilaterais de estudiosos e realizadas intensas pesquisas em todos os arquivos e bibliotecas do mundo, inclusive no Vaticano. Documentos passaram a ser reavaliados através de novas tecnologias, principalmente os cartográficos, diários de navegação e cartas de marear, os dados foram cruzados nos computadores com as posições astronômicas coevas. Os recursos e os instrumentos de navegação conhecidos e existentes na época, foram melhor avaliados e compreendidos.
Inúmeros trabalhos reveladores de fatos inéditos foram publicados. O coroamento desse esforço foi comemorado no quinto centenário da viagem de Cabral, culminando na efeméride “Brasil 500 Anos”, no ano 2000.
O insigne historiador cananeense Dr. Antonio Paulino de Almeida, a partir de 1930, já na era moderna, nos revelou a importância estratégica de Cananeia.
Ele deu a exata dimensão da grandeza e do valor deste torrão, cujo brasão ostenta o lema Urbs Brasiliae Clara, ou seja, Cidade Ilustre do Brasil, encravada na maior porção conservada da Mata Atlântica, o Vale do Ribeira, formado pela Bacia Hidrográfica do Rio Ribeira de Iguape.
Aproximadamente 70% da sua área está localizada na região sudeste (litoral sul) do Estado de São Paulo e cerca de 30%, no leste do Paraná, atingindo o total de 25.000 km², quase 10% de toda a área do Estado de São Paulo. Tem como recurso hídrico maior, o rio Ribeira, que nasce no estado do Paraná a uma altitude de mais de 1.000 m e tem 470 km de extensão total. É o maior aporte de água doce da região estuarino-lagunar conhecida como lagamar.
Em razão da sua riqueza em microrganismos, a zona do estuário é um dos grandes “berçários” do planeta. Várias espécies comestíveis de peixes, crustáceos e moluscos passam no lagamar pelo menos uma parte do seu ciclo de vida, pois aí se alimentam e se reproduzem.
Foi aqui que começou uma das mais inflamadas e interessantes controvérsias da nossa História: A saga do Bacharel, o primeiro habitante branco conhecido do Brasil, que entrou para a História com o cognome de Bacharel de Cananéia, encontrado nesta terra em 1531, por Martim Afonso de Sousa e definido como o mais enigmático degredado por Eduardo Bueno, jornalista e pesquisador, conforme seu livro “Náufragos, Traficantes e Degredados”, da coleção “Terra Brasilis”.
Segundo se lê no livro “Cananeia – O Primeiro Povoado do Brasil, A Verdadeira História”, do pesquisador Ídolo de Carvalho, o início do povoado original deve ser atribuído ao desembarque desse homem, um europeu de elevada cultura que se tornou conhecido como o Bacharel de Cananeia.
Ele era português, foi degredado por Dom Manuel por motivos políticos e trazido por Bartolomeu Dias da ilha de São Tomé, no Golfo da Guiné, na África, onde era prisioneiro e servia como ouvidor. Foi deixado na atual Ilha Comprida, antiga ilha Branca, no ano de 1499, conforme documentos citados pelo historiador Dr. Jaime Cortesão no livro “Os Descobrimentos Portugueses”, volumes I, II e III.
Esse homem se chamava Cosme Fernandes, era Bacharel e Mestre, segundo o que se titulava na época na Universidade de Salamanca, local provável de sua formação.
Localizada a 25° 00’  Sul de “ladeza”, isto é, latitude do Grande Mar Oceano (oceano Atlântico) e demarcada segundo os cálculos competentes de Dom Duarte Pacheco Pereira e do próprio Bartolomeu Dias, Cananeia foi estabelecida como limite sul das terras portuguesas no Brasil, antes mesmo do seu achamento, nos termos do Tratado de Tordesilhas, de 1494.
Fazia-se, então, necessário marcar e manter esse ponto consentido sem criar nenhum conflito com a Espanha, posto que se tratava do reconhecimento e demarcação de uma terra ainda não descoberta. Não poderia, portanto, ser um marco usual e visível de pedra. Isso seria tarefa para um elemento de transição, um lançado, ou seja, um colonizador português que, sem o auxílio de forças ou tropas, pudesse se fixar no lugar, manter os costumes de sua terra e servir de informante, isto é, um personagem limítrofe.
Somente um homem de engenho e valentia e, também, letrado, saberia manter, diplomaticamente, a posse de um ponto que, por certo, viria a ser disputado entre os dois reinos, e ainda com a presença nem sempre pacífica do gentio. Com essa intenção foi o bacharel deixado aqui em Cananeia em 1499.
A historiografia clássica registra versão diferente. O Bacharel teria sido trazido pela expedição de 1501/1502, comandada por Gonçalo Coelho, tendo como cartógrafo o florentino Américo Vespúcio.
Ainda que possam existir dúvidas quanto à data exata da chegada do Bacharel, é absolutamente certo que ele aqui estava em 1502.
Não se pode precisar quanto tempo demorou o início da interpenetração cultural, social e de costumes entre o branco, recém chegado, e o elemento autóctone. Tudo leva a crer que foi imediato, posto que o Bacharel estava ali abandonado sozinho e, portanto, a mercê dos cariós, sem outra alternativa senão a de aderir aos usos e costumes de seusanfitriões, desde o primeiro bocado de alimento que lhe deram.
Darci Ribeiro nos fala do velho costume indígena de incorporar estranhos à sua comunidade, responsável pela formação do povo brasileiro. Jaime Cortesão nos fala docunhadismo e da poligamia, costume de entregar uma ou mais mulheres indígenas ao recém chegado. Essas uniões resultavam em prole e estabeleciam parentesco entre os membros da tribo.
Por outro lado, premido pela necessidade de comunicação e pela facilidade de assimilação, o europeu foi absorvendo a língua, as formas de saudação, gestos, maneiras de vestir, modos, comportamentos e valores indígenas. A maior de todas as mudanças se referiu aos hábitos de higiene, a América tropical ensinou ao português o costume, no princípio considerado estranho e excêntrico, do banho diário e das abluções, praticadas pelos índios.
Tendo impressionado positivamente, recebeu dos indígenas, muito mais do que esperava, além de respeito e acolhida.
Contudo, o fator decisivo no sucesso dessa relação foi, sem dúvida, a índole pacífica dos carijós, considerados o melhor gentio da costa.
Sendo um homem preparado e já tendo vivido uma experiência de sobrevivência em situação igualmente adversa na ilha de São Tomé, é provável que o Bacharel tenha carregado consigo um baú com sementes, apetrechos e ferramentas essenciais. Esta probabilidade decorre da noção que se foi construindo ao longo do tempo da colonização, de que o degredado teria mais chance de sucesso se levasse consigo sementes e pudesse usar ferramentas para realizar sua tarefa de povoador.
Esse foi o critério que levou D. Manuel, em 1516, a expedir um alvará obrigando os feitores e oficiais da Casa da Índia a “...fornecer sementes, enxadas, machados e toda as mais ferramentas a tais pessoas que fossem povoar o Brasil”.
Muitos degredados, assim preparados, foram, lançados no litoral brasileiro entre 1500 e 1532, sendo certo que a armada de Martim Afonso de Sousa trouxe grande parte deles para testar as possibilidades de implementação de uma produção agrícola lucrativa para Portugal.
Mercê dessa interação que soube formatar e de mais alguns náufragos e desertores europeus, que a ele vieram a se juntar posteriormente, tornou-se, ao longo dos primeiros 30 anos do descobrimento, grande senhor de terras e escravos. Estabeleceu um verdadeiro entreposto para abastecer e reparar naus de todas as bandeiras. Seus feitos extrapolaram de forma inimaginável o destino cruel de um degredado, turgimão ou lançado qualquer.
A expedição de 1501/1502 objetivou o reconhecimento e demarcação das novas terras. É inegável, portanto, que, com ou sem a presença do Bacharel, o marco de pedra encontrado pelo Barão de Capanema em 1866, na ponta do Itacuruçá, o marco histórico de Cananeia, foi lá colocado por Gonçalo Coelho.
Cananeia era habitada pelos guaranis das tribos carijós, carió ou carichó. Eles jamais haviam visto uma nave tão grande que se movia sobre a água, cheia de velas brancas, homens cobertos de panos e pelos na cara, como os animais. Ficaram deslumbrados e se referiam ao fato como mutupapaba, isto é, “coisa maravilhosa”. Chamaram o marco deItacoatiara (ita = pedra e cuatiara = risco, desenho, inscrição) ou Itacuruçá (ita = pedra ecuruçá = cruz).
De alguma forma o Bacharel conquistou a confiança dos silvícolas, vindo a unir-se com a filha do cacique Ariró. Esse fato, freqüente na época do descobrimento, resultava da associação pelos nativos da figura do homem branco com os deuses ou chamãs. Eram oscaraíbas, mencionado pelo padre José de Anchieta: “Caraíba quer dizer coisa santa ou sobrenatural e, por esta causa puseram esse nome nos portugueses, logo que vieram, considerando-os uma coisa grande, do outro mundo, por terem vindo de tão longe sobre as águas”.
Em 15 de janeiro de 1528, Diego Garcia, passando por Cananéia, relata ter encontrado aquele a quem denomina: “um Bacharel, que ali vive com seus genros há muito tempo, há bem 30 anos”.
A SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados define povoado como“lugar ou sítio no qual já se formou uma pequena população ou um pequeno núcleo de habitantes”. Outros autores, como o filósofo Aristóteles e os dicionários da língua portuguesa, também definem povoado da mesma forma.   
O primeiro povoado do Brasil surgiu de forma muito espontânea. O elemento civilizado, uma vez introduzido no território, prontamente se miscigenou com o elemento autóctone. Caso claro, comprovado e documentado de Mestre Cosme Fernandes, o Bacharel de Cananéia.
Filosoficamente, a partir daí, estava criado o primeiro povoado do Brasil.
Embora presuma-se que outros degredados tenham sido introduzidos em outros pontos, na mesma época, não há comprovação que nenhum deles tenha feito história.
Desde a sua chegada a Cananéia o Bacharel deu guarida a europeus de várias procedências, inclusive casando suas filhas com alguns deles. Fez genros e alianças com os nativos, expandindo seus domínios para muito além de Cananéia. Percorreu grandes distâncias a pé e de barco pelo litoral e fundou outros povoados.
Começou a navegar pela costa, de forma cada vez mais audaciosa, ampliando seus horizontes e limites, de Santos, SP, até Laguna, SC.
Descrito por Eduardo Bueno, na pág. 157, do livro “Náufragos, Traficantes e Degredados”, o Bacharel tornou-se “uma espécie de rei branco vivendo entre os índios; que tinha pelo menos seis mulheres, mais de 200 escravos e mais de mil guerreiros dispostos a lutar por ele; que era temido e respeitado por todas as tribos costeiras desde São Paulo até Laguna e que não havia quem ousasse desafiar o seu poder ...”.
Este foi o quadro que em 1531 a expedição colonizadora de Martin Afonso de Souza encontrou na comunidade de Maratayama, como era chamada a antiga Cananeia, segundo consta no Diário de Navegação da Armada de Pêro Lopes, irmão de Martin Afonso. Segundo os tupinólogos, maratayama significa lugar onde a terra encontra o mar ou terra do mar, detãma ou yãma = terra, pátria e mara = mar, conforme o “Vocabulário Tupi-Português”, de Jorge Hurley. Nome gravado na tradição oral, enraizado até hoje na cultura do povo pela sempre presença guarani, basta perguntar para qualquer caiçara onde é maratayama.
Tais provas indiscutivelmente colocam Cananeia como o primeiro povoado surgido no Brasil, quiçá antes mesmo de sua descoberta oficial.
A constatação disso está gravada pelos portugueses no mármore do monumento existente em Lisboa, Portugal, chamado de Padrão dos Descobrimentos, perto da Torre de Belém. Lá existe uma rosa-dos-ventos contendo no centro um mapa-múndi, conforme normas cartográficas da época. O contorno da costa do Brasil assinala datas e pontos: 1500 – Porto Seguro, 1502 – Cananea e 1514 – Rio da Prata.
A partir de 1502, Cananeia torna-se ponto de passagem de armadas, expedições, piratas e corsários que transitavam até o Rio da Prata, no Cone Sul, em busca dos tesouros existentes nos domínios do rei branco, o El Dorado e da fantástica Potosi, montanha feita inteiramente de prata, segundo as notícias que corriam na Europa.
A essa fascinação em busca do tesouro dos incas no Peru, deu-se o nome de “feitiço do Peru”
Contribuíam para isso a geografia em forma de abrigo natural para os navegadores, sendo a ilha do Bom Abrigo o melhor exemplo, bem como as exuberantes dádivas da natureza do lagamar, a água doce, pesca, caça, frutas, lenha, animais de adorno, mulheres e língua da terra, sempre sob a presença e liderança do misterioso Bacharel de Cananeia, Cosme Fernandes que sabia negociar os produtos da terra, o pau-brasil, informações e escravos.
A maior de todas as armadas que passaram por Cananeia, foi a de Martim Afonso de Sousa. Era composta por duas naus, duas caravelas e um galeão, tripulados por 400 homens que zarparam de Portugal em 03 de dezembro de 1530. Depois de um longo périplo pelas costas do Brasil e muitas escaramuças com corsários franceses, Martim Afonso chega pela primeira vez a Cananeia em 12 de agosto de 1531.
Aqui conhece o Bacharel e Francisco de Chavez, de quem ouve relatos entusiasmados sobre as riquezas do Peru e que promete, caso lhe fossem dadas condições para uma viagem por terra, via Peabiru, “... voltaria com 400 escravos carregados de ouro e prata em 10 meses”. Confiante, ele indicou o próprio Chavez para guia e seu capitão Pero Lobo Pinheiro para comandante.
Em 01 de setembro de 1531 a expedição partiu com 80 homens brancos, sendo 40 besteiros e 40 espingardeiros, mais um grupo de guerreiros índios. Jamais voltaram, foram todos mortos pelos indígenas no rio Iguaçu, no Paraná. Assim terminou a primeira bandeira organizada pelos portugueses no Brasil.
A missão de Martim Afonso também veio comprometida pelo “feitiço do Peru”. Depois de ter permanecido em Cananeia, entre 12 de agosto até 26 de setembro de 1531, zarpou para o Rio da Prata em busca do caminho para a riqueza. Nessa aventura perdeu homens, navios e até naufragou. Por sorte, conseguiu retornar a Cananeia em 08 de janeiro de 1532, para consertar suas embarcações e se recompor. Tendo zarpado após alguns dias, viajou por mais 4 até chegar em São Vicente no dia 22 de janeiro de 1532.
O chamado “feitiço do Peru” paralisou toda a colonização portuguesa e espanhola na“costa do ouro e da prata”, como era chamada a costa sul que vai de Cananéia até o rio da Prata.
Enquanto isso, o Bacharel fazia História. Dando guarida a europeus de várias procedências, principalmente espanhóis, e fazendo alianças com os nativos, seus domínios se expandiram para muito além de Cananeia, chegando até São Vicente, para onde se mudou.
Pouco antes de partir de volta a Portugal, Martim Afonso toma conhecimento do infortúnio que se abateu sobre a expedição de Pero Lobo. Intrigantes levaram Martim Afonso a acreditar que o massacre tivesse sido planejado pelo Bacharel e pelos desertores castelhanos que viviam em seus domínios.
Pesou sobre o Bacharel ainda a suspeita de que ele, na verdade, não prestava obediência à Coroa portuguesa e negociava livremente entre São Vicente e Cananéia por puro interesse pecuniário. Dessa forma, Martim Afonso determinou que ele voltasse ao seu lugar de degredo original, isto é, Cananeia.
Temeroso pela sua segurança e de toda a sua família, em seu retorno ele vai para Iguape, onde se homizia com seu amigo espanhol Ruy Garcia Moschera. Dá-lhe, então, ciência que Martim Afonso estava prestes a enviar uma expedição, chefiada por Pero de Góis, para obrigá-lo a prestar obediência ao rei de Portugal e desocupar em 30 dias as terras que, conforme o Tratado de Tordesilhas, não pertenciam a Castela e foram usurpadas, sob pena de morte e perdimento de bens.
Os desentendimentos territoriais entre portugueses e castelhanos resultam numa disputa feroz pelo território. Ruy Moschera aliado ao Bacharel, outros europeus descontentes e 150 índios flecheiros, tomam um navio francês que se abastecia emCananeia, apresam sua artilharia, constroem uma trincheira e organizam a resistência em frente a barra de Icapara, local primitivo da fundação de Iguape.
Feroz luta foi travada e cerca de 80 portugueses foram dizimados e Pero de Góis foi ferido por um tiro de arcabuz. De posse de mais uma nau, Moschera ataca São Vicente. Mediante ardil, tendo o navio de Pero de Góis à frente, se fazem passar pela tropa portuguesa de retorno e desferem violento ataque, invadindo, saqueando e incendiando a Vila de São Vicente, fundada dois anos antes por Martim Afonso.
A “Guerra de Iguape” foi o primeiro conflito armado entre europeus e travado em solo americano. O episódio continua virtualmente ignorado pela maioria dos estudiosos. Ruy Moschera fugiu para Porto dos Patos e, depois, aventurou-se pelo Rio da Prata. O Bacharel foi provavelmente morto pelos próprios carijós em 1537.
Martim Afonso de Sousa, decepcionado por não ter conseguido sucesso nas suas aventuras pela América, voltou para Portugal em maio de 1533 e jamais retornou ao Brasil, mesmo tendo sido aquinhoado com duas Capitanias Hereditárias, das quais sequer tomou posse.
Em 1577 é construída a igreja de São João Batista de Cananeia e inicia-se a transferência do povoado de Maratayama da ilha Branca para a ilha de Cananeia, concluída no ano seguinte no qual o povoado foi elevado à condição de vila, passando, posteriormente, em 1587, a ser município.
A ilha Branca, hoje chamada de Ilha Comprida, foi parte do município de Cananeia até se tornar politicamente independente em 05 de março de 1992.
O fracasso na busca da riqueza dos incas levou a coroa portuguesa a adotar a colonização do Brasil como forma de manter a soberania sobre a terra recém descoberta, porém, sem grandes investimentos. A solução escolhida foi dividi-la em lotes: as Capitanias Hereditárias; doadas a burocratas, militares veteranos nas guerras do Oriente e ricos proprietários de terras, como Pêro de Campo Tourinho, todos próximos ao trono.
A idéia não vingou, porém a capitania de São Vicente esteve entre as poucas que obtiveram algum êxito, graças principalmente a lavoura de cana. Cananeia pertencia a essa capitania.
Assim, no século XVII, se descortina a primeira vocação firme de Cananeia: a agricultura, onde a mandioca, o arroz e a cana de açúcar eram os principais produtos. Em seguida e por conseqüência, instalações para beneficiamento do arroz, os engenhos de cana de açúcar, as fábricas de farinha, as serrarias, os fornos de cerâmica e os estaleiros navais. Surgiram grandes frotas para transportes, muitos tinham seus próprios barcos e a carpintaria naval prosperava mercê da madeira abundante na região.
Em 1711, foi construída uma armação para a pesca de baleias na Ilha do Bom Abrigo e beneficiamento de seus derivados, entre outros o óleo para a iluminação e aditivo na construção civil, pois que, acrescentado à cal obtida pela trituração das cascas de moluscos, resultava numa excelente argamassa.
Em 1747 são queimados, por uma desventurada ordem do ouvidor geral Dr. Antônio Pires da Silva e Mello Porto Carreiro, os livros e arquivos do Cartório, perdendo-se, assim, grande parte da documentação sobre a Vila e talvez a última esperança de se conhecer mais sobre o Bacharel.
Conforme o Livro de Tombo (da Prefeitura) em 1734, Cananeia era habitada pelos mais opulentos lavradores, cujas fábricas de farinha de mandioca, produziam e transportavam o produto em seus próprios navios, suprindo toda a cidade do Rio de Janeiro e a Colônia até setembro de 1787.
Nessa data, por ordem do capitão-general Bernardo José de Lorena, foi baixado um terrível édito pelo qual todas as embarcações que zarpassem dos portos do litoral, ficavam obrigadas a escalar em Santos. A ordem visava: arrecadar impostos, abastecer a Capital e tirar Santos do seu isolamento e dependência material e econômica da Capital.
A liberdade do comércio marítimo entre as várias praças, principalmente a do Rio de Janeiro, deixou de existir e as embarcações sumiram como por encanto. Sem o amparo do comércio livre, as grandes fazendas foram sendo abandonadas, os canaviais incendiados, os engenhos desarmados e a decadência instalada.
A miséria invadiu muitos lares. A pobreza da população chegou a tal ponto que muita gente, não podendo comprar sal, cozinhava com água do mar. Os estaleiros fecharam e grande parte da população mudou-se para Iguape e Paranaguá ou se embrenhou pelos sertões em busca de minérios, principalmente ouro, cuja ocorrência já era registrada desde o fim do século XVI.
Juntamente com algumas outras cidades, Cananeia chegou a ser considerada “uma das cidades mortas do litoral paulista”, conforme: “A Decadência do Litoral Paulista”, de Antonio Paulino de Almeida, Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.
Esse foi o período mais difícil da História do município e perdurou até a chegada da família real ao Brasil, em 1808, quando os portos e o comércio entre eles foram novamente tornados livres.
Cananeia foi gradativamente, com muito esforço e denodo de sua gente, retomando seus destinos.
A atividade principal torna-se a pesca. Foi a pesca e um pouco de agricultura de subsistência que mantiveram viva a comunidade e o sustento das famílias até então economicamente arruinadas.
Assim, crescendo em torno da pesca, por volta de 1872, Cananeia já contava com 16 estaleiros e mais de 200 embarcações construídas, tendo contribuído para isso a necessidade de se transportar tropas e mantimentos para a consolidação das fronteiras no sul.   
Em 1889, é construído um cais de pedra para a movimentação do pescado.
Em 1892, São João Batista de Cananeia é elevada a categoria de cidade e, em 1905, passa a se chamar somente Cananeia.
Nesse período a pesca transforma-se na principal fonte de renda da cidade, chegando a ser registrado, em 1920, a exportação de 25 toneladas entre pescado, camarões, ostras e mariscos.
À partir de 1930, a vocação pesqueira se consolida e em 1936/7 é construído o Entreposto de Pesca.
Cananéia tinha um porto ativo até a 1960. Era freqüentado por navios de aço, vapores que entravam e saiam livremente da barra, cargueiros e mistos, que navegavam entre o Rio de Janeiro, Santos, Iguape, Cananeia e Paranaguá, levando cargas e passageiros. Embarcações como “Maria Luiza” e “Maria Celeste”, de mais de 60 m de comprimento, que carregavam 1.200 toneladas, eram contratadas pela Cia. Serrana de Mineração para retirar minério do terminal de Porto Cubatão e levar para o porto de Santos. Entretanto, o transporte marítimo de minério, de custo mais alto, perdeu espaço para o transporte rodoviário, de custo mais baixo, com a inauguração, no começo de 1961, da BR 116, rodovia Régis Bittencourt, além disso, houve forte assoreamento da barra deCananeia, impedindo a passagem de barcos de maior calado. Assim, depois dessa data, nenhuma outra embarcação desse porte entrou no porto.
Ao se falar sobre a História de Cananeia, há que se mencionar que na década de 40, a cidade tinha campo de pouso, localizado onde hoje se encontra o bairro Retiro das Caravelas, tendo sido servida por linhas aéreas regulares: a REAL – Transportes Aéreos, a Aerovias BRASIL e a VASP – Viação Aérea São Paulo. Além disso, a Marinha do Brasil operava o CAN – Correio Aéreo Nacional, transportando malotes de correspondência aérea 3 vezes por semana, em hidro-avião.



                         Campo da Aviação em 1940 

 Atual Avenida Luiz Wilson Barbosa - Bairro Retiro das Caravelas.





 

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